1- APRESENTAÇÃO
Este relatório tem por finalidade descrever a experiência de campo da discente Karin Fernanda Barth na aula ministrada no Colégio Estadual Thales de Azevedo – CETA. Para tanto foi planejada e desenvolvida uma oficina na qual a discente teve a oportunidade de exercer a função de docente. Esta é uma proposta da disciplina Didática e Práxis Pedagógica II.
A aula ocorreu no dia 11 de novembro de 2010 com duração de uma hora e foi ministrada para adolescentes com faixa etária entre 15 e 16 anos da turma do 1° ano do ensino médio matutino. O Colégio Estadual Thales de Azevedo localiza-se no bairro Costa Azul e é considerado uma escola modelo pela sua estrutura física e educacional.
A oficina teve como finalidade realizar uma prática artística pedagógica com uma aula de processos criativos de dança envolvendo as ações cotidianas dos alunos, os espaços por onde eles transitam e as oito ações de esforço (torcer, pressionar, deslizar, sacudir, socar, pontuar, flutuar e chicotear) e fatores de movimento (tempo e espaço) propostos por Rudolf Laban, vinculando-os a uma pedagogia construtivista.
2-JUSTIFICATIVA DO TEMA PROPOSTO
O tema territorialidade surgiu a partir das observações feitas in loco. O Colégio Thales de Azevedo localiza-se em um bairro de classe média alta e ao lado de uma escola particular, o Cândido Portinari. A abordagem de territorialidade que utilizei foi com base no artigo de Campelo, que discorre sobre os espaços periféricos, o trânsito entre centro e periferia e a desigualdade social entre eles. Neste trânsito social comungam conhecimentos não disciplinares relevantes, outras verdades latentes, que se revelam no dia a dia da sala de aula, nos corredores, no pátio da escola, como também nas ruas, nos clubes, nos bares, enfim no cotidiano do aluno e do professor, que certamente vão além do muro e ao mesmo tempo estão presentes na escola, espaço que coexiste uma diversidade de padrões culturais e visões de mundo.
O Colégio Estadual Thales de Azevedo é uma escola onde a maior parte dos discentes são oriundos de bairros mais afastados, genericamente denominados “periferia”. Devido a localização geográfica da escola, boa parte desses alunos convivem com uma realidade social discrepante, sofrendo influências das mais variadas, pois, a proximidade e o inter-relacionamento com estudantes de colégios de classe média-alta, de alguma maneira pressionam parte dos estudantes a compartilharem conceitos de moda, música, dança, comportamento, etc. que de certa forma não são naturais das suas comunidades, mas, advindos de um realidade sócio-econômica diferente da sua. Portanto, este trânsito social, promove espaços para que estudantes de realidades diferentes observem, contextualizem e compartilhem experiências que podem ser expressas através da arte.
Partindo da questão da territorialidade, constatei que seria apropriado trabalhar com o cotidiano vivenciado pelos alunos, desenvolvendo a percepção corporal nas ações habituais em diferentes espaços por onde esses alunos transitam, e também estimular a criatividade através de propostas de construção em dança a partir da reflexão de realidades vivenciadas pelos alunos.
A escolha pelo conteúdo de dança a ser trabalhado se deu por ele estar presente em nosso cotidiano sem que muitas vezes nos apercebamos disso. A escolha pelos conceitos de Laban também se deu pelo perfil de sua proposta, de fazer dança a partir da vida, dos movimentos do trabalhador, colocando o homem no foco. A proposta Labiana se alinhava ao que estive interessada em trabalhar.
3-OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
Estimular a construção criativa em dança a partir do cotidiano vivenciado pelos alunos e dos territórios por onde transitam bem como identificar e explorar as ações de esforço, tão presentes no cotidiano, e os fatores de movimento tempo e espaço segundo os conceitos de Rudolf Laban.
3.2 Objetivos Específicos
• Perceber as influências dos territórios transitados nas ações cotidianas.
• Promover uma reflexão sobre o comportamento corporal em relação aos espaços transitados.
• Identificar as características de cada ação de esforço.
• Utilizar as ações cotidianas como proposição para o processo criativo em dança.
4-ANÁLISE DA PRÁXIS PEDAGÓGICA
4.1 Observação diagnóstica e entrevista com a professora de dança
O Colégio Estadual Thales de Azevedo (CETA) localiza-se no Costa Azul, bairro de classe média alta, ao lado de um colégio particular, Cândido Portinari. De acordo com uma pesquisa elaborada em 2009 pelas professoras de Artes a maioria dos estudantes mora em bairros distantes, de diversas localidades da cidade. Apenas uma minoria mora no bairro do Costa Azul e adjacentes: Pituba, Boca do Rio e Amaralina.
A escola é considerada modelo devido a sua estrutura física. É uma escola pública bem cuidada, sem depredações, janelas ou vidros quebrados, nem carteiras destruídas, vale ressaltar que nunca foi reformada desde sua construção em 31 de março de 1997. As salas e laboratórios estão devidamente identificados. A escola conta com 17 salas de aula, além de sala de informática, auditório, banheiros, cantina, quadra, sala de vídeo, ampla sala de dança com espelho e chão de madeira. Todas as salas são equipadas com TV com entrada USB, o que facilita e enriquece bastante o trabalho dos professores. A escola não tem biblioteca, mas os estudantes utilizam a biblioteca pública que fica ao lado da escola e leva o mesmo nome do colégio.
O bom estado de conservação evidencia o cuidado dos alunos com a escola. Há uma preocupação geral na manutenção do status de ser um colégio modelo e sua territorialidade, ou seja, o modo de agir nesse espaço territorial do colégio se torna diferenciado de outros colégios estaduais.
O CETA, através de temáticas, trabalha a conscientização social como, por exemplo, a consciência negra, alimentação saudável e sócio biodiversidade através de aulas e exposição de cartazes e banners elaborados pelos alunos. O colégio conta desde a sua inauguração com uma professora graduada em dança, e outra em Artes Visuais; ambas trabalham em conjunto, explorando as linguagens de dança, teatro, música e artes visuais no 1° ano e com História da Arte, no 2° e 3° ano. A professora de dança também tem formação (não acadêmica) em música e teatro. Ambas têm uma carga horária de 40 horas a ser cumprida semanalmente. As aulas de arte são oferecidas aos alunos de todas as séries (do 1° ao 3° ano). Este ano, por conta do aumento da carga horária de Arte nas turmas do 1° ano, a escola recebeu outra professora de Arte, também graduada em Artes Visuais, com formação não acadêmica em Teatro. Esta professora foi inserida no grupo e também está trabalhando em conjunto com as demais. O turno noturno também conta com um professor de Arte, com formação em Artes Visuais. Todos os professores de Arte, com exceção da que chegou este ano, são pós-graduados na área de Arte.
A escola conta com a participação de dois PIBIDs o de dança e de matemática. A partir deste mês também contará com o PIBID de Biologia. O PIBID de dança realiza oficinas de segunda à quarta à tarde, quinta de manhã e de tarde, além de oficinas mensais de dança de estilos variados, que ocorrem todo final de mês com profissionais convidados.
Conforme entrevista dada, a professora de dança afirmou que adota uma pedagogia construtivista e utiliza referências como Paulo Freire e Vigotsky na construção da sua aula. Afirmou sempre planejar suas aulas e que tal planejamento é feito de acordo com o grupo que irá trabalhar, até mesmo por que precisa conhecer de antemão as limitações e possibilidades corporais de cada aluno para que sua proposta seja bem sucedida.
De acordo com a aula assistida pude presenciar coerência de suas palavras com sua prática. A aula de dança, com duração de uma hora foi bem conduzida por ela. Além de demonstrar os exercícios também os explicava verbalmente se utilizando de metáforas para que os alunos identificassem o que lhes era pedido. A professora transitava pela sala de aula corrigindo os alunos, cada um conforme a necessidade e habilidade/possibilidade corporal, para tanto notava-se que a mesma conhecia limitações e potencias de cada um. Sua explicação era clara e detalhada. Gradualmente foi-se aumentando o ritmo das atividades e o grau de dificuldade. Apesar da seriedade com que os exercícios eram realizados, a aula me pareceu agradável e descontraída, pois os alunos demonstravam interesse e se sentiam a vontade para fazerem comentários e colocarem suas perguntas.
Não tive acesso ao Projeto Político Pedagógico da escola, porém a professora de dança Marília Curvelo afirmou que o mesmo está desatualizado e por isso não é usado como referência do currículo. O que ocorre todo início do ano é um planejamento anual do que será trabalhado.
4.2 Minha experiência como docente
A aula que propus iniciou-se com uma breve explicação sobre quem foi Rudolf Laban e sua contribuição para a dança moderna. Foram apresentadas as oito ações de esforço sistematizadas por Laban em um papel que ficou exposto durante toda a aula para que os alunos pudessem visualizar. Foi proposto um aquecimento corporal explorando as ações de esforço, no qual conduzi questionando os possíveis movimentos corporais cotidianos que poderiam ser realizados com as ações de esforço. Os alunos foram identificando, propondo e experimentando movimentos de torção, pressão etc e também eram instigados a fazerem movimentações não usuais (“que outras partes do corpo não tão usuais poderíamos torcer, sacudir, pontuar...” eu questionava). A medida em que os alunos experimentavam as ações de esforço foi-se analisando quais as características de cada ação através de questionamentos colocados aos alunos: “como é essa movimentação? É leve ou é firme? tem um foco? É súbita ou sustentada?” e chegávamos a conclusões sobre as características de cada ação de esforço. “... então podemos perceber que o pontuar é um movimento leve e súbito...”
Após esse exercício, foi feito um jogo no qual foi proposto aos alunos refletirem sobre suas ações cotidianas e quais as interferências do ambiente na prática de tais ações. Sentados em roda cantávamos uma música enquanto passávamos uma sacola plástica onde havia papéis com diferentes ambientes como: na escola, em casa, na minha vizinhança, no shopping Center, etc. Cada vez que a música terminasse, o aluno que estivesse com a sacola na mão sorteava um papel onde estava escrito um ambiente, não o revelava ao grupo, mas, associaria e representaria uma ação cotidiana comum a tal ambiente. Os colegas tentariam adivinhar o ambiente no qual tal ação estava sendo performatizada. Era questionado o que os levavam a tais conclusões, bem como se tal ação se daria de forma diferente se acontecesse em outro ambiente. Os alunos colocavam sua opinião. Também era questionado e analisado quais as ações de esforço poderíamos perceber nessas ações cotidianas.
Com base nessas experimentações foi feita outra atividade para explorar, desta vez individualmente, as ações de esforço em associação com as ações cotidianas. Pausadamente foi feita a leitura de texto metafórico onde personagens exerciam algumas atividades nas quais as ações de esforço eram evidenciadas. Simultaneamente através da escuta, cada aluno conforme sua interpretação ia explorando as ações de esforço no contexto dado. Com o material explorado e levantado pelos alunos, foi proposto um momento de criação/construção de dança no qual cada aluno deveria definir e apresentar uma ação do cotidiano sendo realizada em mais de um ambiente (mínimo três ambientes diferentes) se utilizando de uma ou mais ações de esforço. Mas isso de maneira desconfigurada, não através de mímica, mas sim com base nos registros experimentados na aula. Foi dado cerca de 10 minutos aos alunos para montarem sua partícula de construção em dança.
No final foi feita uma roda de discussão onde foi levantada a seguinte questão: “quais foram suas percepções nessas atividades propostas?” Os alunos colocavam suas falas, expondo o que lhes fora relevante.
4.3- Avaliação da práxis
A intervenção na escola foi positiva. Creio que de alguma forma contribuí para promover uma reflexão sobre o tema cotidiano e territorialidade além de estimular a criação em dança por parte dos alunos, considerando o material levantado por eles mesmos. Percebi que o planejamento foi fundamental para que a aula transcorresse sem problemas. Foi importante antecipar mentalmente as atividades as quais eu estava propondo, a fim de reconhecer as deficiências e fazer mudanças necessárias para que o objetivo fosse alcançado. Fundamental também, para o êxito da oficina, foram as observações diagnósticas, pois através delas pude constatar um tema que fosse relevante ser trabalhado, bem como o perfil dos alunos para que eu definisse estratégias que fossem eficazes para o ensino-aprendizagem. Houve engajamento e interesse por parte de todos os alunos que participaram da oficina.
Quero concluir este relatório com uma frase de Celso Vasconcellos em seu livro “Planejamento: Projeto de ensino-aprendizagem e Projeto político pedagógico”, frase esta que foi norteadora para a realização deste trabalho: “Planejamento é refletir sobre os desafios da realidade da escola e sala de aula, perceber as necessidades, re-significar o trabalho, buscar formas de enfrentamento e comprometer-se com a transformação da prática.”
Referências Bibliográficas:
CAMPELLO, Carmute. Tenso equilíbrio na dança da sociedade; edição Inês Bogéa. São Paulo: SESC, 2005.
D’ ÁVILA, Cristina. A Mediação Didática na História das Pedagogias Brasileiras. Salvador: Universidade Estadual da Bahia- UNEB, 2005.
RENGEL, Lenira Peral. Dicionário Laban. São Paulo: Annablume, 2003.
RENGEL, Lenira Peral. Corponectividade : Comunicação por procedimento metafórico nas mídias e na educação. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica PUC|SP. São Paulo, 2007.
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder. Autonomia e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
VASCONCELOS, Celso dos Santos. Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico. São Paulo: Libertad Editora, 2005.
YUS, Rafael. Temas transversais: uma nova escola. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Nenhum comentário:
Postar um comentário